O Audiobook na Construção de Experiências de Aprendizagem para EaD

Escrito por 
Monique Boer
Publicado 
30/6/2023
D

iscutir sobre educação formal (em todos os níveis) exige atentar-se às questões que ultrapassam os limites da sala de aula. Segundo o Censo da Educação Superior de 2021, apenas 19,7% da população brasileira de 18 a 24 anos frequenta universidades, faculdades e centros universitários. Na contramão, os dados indicam que a Educação a Distância (EaD) tem crescido significativamente nos últimos anos: em 2021, 41% dos estudantes estavam matriculados nessa modalidade de ensino (MEC; INEP, 2021).

O atual lugar de destaque da EaD se deve a muitos fatores, entre eles os menores custos de mensalidade em comparação com cursos presenciais, a possibilidade de se qualificar sem sair de casa e a flexibilidade para estudar em horários alternativos, por exemplo. No entanto, a taxa de desistência acumulada é de 62% (MEC; INEP, 2021), o que indica que, apesar do crescimento de matrículas, ainda há grandes desafios a serem superados em relação à evasão, principalmente quando se observa o perfil dos estudantes que estão ingressando no ensino superior.

Nessa perspectiva, entende-se, neste trabalho, que a produção de materiais didáticos digitais inclusivos e atrativos é fundamental para contribuir com a ampliação do acesso, a permanência e o engajamento dos educandos em um sistema no qual a atenção é tida como um bem valioso. O intuito não é discutir os efeitos provocados pelo excesso de informação disponível no ambiente digital, tampouco questionar as práticas utilizadas pelo mercado para cativar os usuários; apenas propor uma reflexão a respeito de como a educação pode, e deve, atualizar-se para conquistar os estudantes nesse meio. Por isso, a proposta é apresentar o recurso audiobook como uma ferramenta para a elaboração de experiências de aprendizagem enriquecedoras.

Disputa por atenção no contexto digital

É sabido que a grande quantidade de informações disponíveis na internet demanda dos usuários esforços cognitivos para escolher cuidadosamente o que mais lhes interessa (RIAL, 2020). Porém, como pontua Yablonski (2020, p. 79), a concentração “é limitada em termos de capacidade e duração”, por isso, para dar conta de tanto ruído e saturação, surge o fenômeno da atenção seletiva.

Entendendo este conceito, o mercado lança mão de técnicas cada vez mais refinadas, e nem sempre transparentes, para competir pelo olhar do consumidor. Essa lógica não é novidade e foi nomeada pelo economista e psicólogo Herbert Simon na década de 1970 como economia da atenção:

Se já na modernidade a atenção era disputada pelos excessos de estímulos sensoriais e pelas exigências institucionais da disciplina, hoje, com um espaço-tempo ainda mais saturado de estímulos visuais e informacionais em paralelo às demandas por um desempenho maquínico 24/7, a atenção se torna um recurso ainda mais escasso e, por sua vez, ainda mais valioso [...]
(BENTES, 2021, p. 196).

Mesmo sabendo desse cenário, ainda é comum a responsabilização dos alunos pela falta de comprometimento com os estudos, sobretudo quando se trata das novas gerações. É urgente, portanto, a conscientização de que um sistema de ensino pautado em modelos tradicionais não conseguirá competir com os artifícios da internet. A defesa de uma educação intencional e de qualidade deve caminhar lado a lado com o acompanhamento das inovações tecnológicas, de modo que a culpa pela falta de atenção plena não recaia sobre a parte mais frágil.

Nesse sentido, acredita-se que a EaD dispõe de incentivos e ferramentas para oferecer possibilidades atrativas aos educandos e criar ambientes de aprendizagem acessíveis, inclusivos e eficazes, justamente como propõe o modelo de Design Universal para a Aprendizagem (DUA). Esta abordagem “considera a variabilidade/diversidade dos estudantes ao sugerir flexibilidade de objetivos, métodos, materiais e avaliações, permitindo aos educadores satisfazer carências diversas” (SEBASTIÁN-HEREDERO, 2020, p. 735).

Como opção à variabilidade e flexibilidade de materiais, ressalta-se uma tendência que tem ganhado espaço nos últimos anos – impulsionada pela ideia de otimização do tempo –, o audiobook (ou audiolivro). Neste formato, os textos geralmente são lidos em voz alta por narradores profissionais, gravados e disponibilizados aos leitores/ouvintes. Alguns ainda incluem efeitos sonoros que complementam a experiência auditiva.

Entre as vantagens desse formato para a EaD, destacam-se:

  • acessibilidade – comporta-se como um recurso de acessibilidade para estudantes com deficiência visual ou dificuldades de leitura;
  • conveniência – possibilidade de ouvir os conteúdos das disciplinas a qualquer momento, como voltando de ônibus do trabalho, por exemplo;
  • imersão – somado ao conteúdo escrito, pode criar uma experiência mais imersiva de aprendizagem;
  • compreensão – pode melhorar o entendimento de conteúdos mais complexos ou técnicos;
  • custo e diferencial – na produção em escala, é barato para quem produz materiais didáticos digitais e se torna um diferencial competitivo em relação a outras opções.

Porém, para transpor o audiobook das editoras e plataformas especializadas para o campo educacional, algumas adaptações são necessárias.

O termo “voice first” se refere a uma abordagem tecnológica que prioriza o desenvolvimento de produtos digitais com foco na interação por voz. Sua difusão tem implicações relevantes nas áreas de atendimento ao cliente, entretenimento, e-commerce e marketing, uma vez que a experiência do usuário passa a ser mais intuitiva e simplificada, tornando-se um importante vetor de transformação digital. 

Conforme mencionado, para transpor o audiobook para o contexto da educação atual, é preciso adequar os materiais didáticos para comportá-lo, em um movimento transmidiático (do texto para o áudio). Logo, o voice first se mostra uma estratégia eficaz, pois sugere considerar a voz desde a concepção de um produto. Para que isso integre o processo ensino-aprendizagem, a atuação colaborativa entre professor-autor, designer educacional e revisor textual é essencial.

Audiobook na prática

A utilização de técnicas de linguagem simples são fundamentais para escrever um texto que será convertido em voz posteriormente. Algumas diretrizes podem ser adotadas, como (OLIVEIRA, SILVA, 2019; RIOS et al., 2016):

  • priorizar verbos no presente do indicativo e na voz ativa;
  • priorizar o estilo descritivo-narrativo, com verbos na terceira pessoa, para não interferir na interpretação;
  • apresentar termos técnicos e siglas juntamente com o seu significado;
  • apresentar a explicação de quadros, tabelas e infográficos antes destes elementos aparecerem no texto;
  • evitar linguagens com marcadores de gênero.

Após a escrita por parte do professor-autor, o revisor textual entra em cena para corrigir gramaticalmente o texto e descrever as imagens ilustrativas. Na sequência, as descrições podem ser inseridas pelo web designer como atributo ALT em um e-book desenvolvido em HTML5, para que os estudantes que utilizam leitores de tela também acessem o conteúdo imagético.

Tendo em vista que a produção de materiais didáticos digitais acontece em escala, não seria viável gravar cada conteúdo com um narrador profissional em decorrência dos altos custos. Por essa razão, os textos podem ser convertidos em falas realistas a partir de sintetizadores baseados em tecnologia neural. Algumas opções são: Synthesys, Speechelo, Amazon Polly, Synthesia e Natural Reader.

Com os áudios gerados, os arquivos .mp3 podem ser indexados no e-book e disponibilizados aos estudantes. Assim, eles têm autonomia para ouvir as aulas a qualquer momento, na velocidade que desejarem e em diferentes plataformas.

Criar formas para tornar as práticas educacionais digitais mais envolventes requer um olhar atento às tendências que surgem nesses espaços. É impossível ignorar o fato de que a atenção dos usuários se encontra difusa em um ambiente repleto de estímulos, e para os estudantes não seria diferente. Nesse sentido, o audiobook se evidencia como uma interessante ferramenta para compor as representações dos materiais didáticos, em consonância com o que preconiza o DUA.

Entretanto, uma educação alheia aos impactos causados pela economia da atenção não contribui para uma sociedade que caminha para o descompasso. Faz-se necessário, sim, elaborar mecanismos de aproximação com os educandos, mas sem perder de vista os resultados que a mercantilização da atenção provoca. Portanto, pensar no processo ensino-aprendizagem de uma maneira intencional e consciente significa, também, construir possibilidades de romper com essa lógica, colocando os estudantes e suas necessidades no centro do debate.

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